Antes de vir para o Rio, onde vai começar no sábado (22) e seguirá até a próxima quinta-feira (27), a Caravana África Diversa fez uma parada em Nantes, na França, com a programação que comemora os 200 anos de amizade franco-brasileira e da realização da primeira Temporada Brasileira na França, em 2005.

A escolha das cidades destacauma semelhança entre as duas: foram portos que receberam pessoas escravizadas que saíram da África. A estimativa é que a cidade francesa tenha recebido do continente africano eembarcado em direção às Américas mais de 500mil pessoas escravizadas.
A trajetória da curadora da Caravana África Diversa, Daniele Ramalho, tambémpassa pelas duas cidades, e diferentes motivos explicam a proximidade que ela identifica entre Nantes e o Rio. A avó de Danielenasceu na cidade francesa e a curadora estudou no colégio Liceu Franco Brasileiro. Além disso,suas pesquisas se concentram na África francófona, composta pelos países que têm o francês como um dos seus idiomas.
“O Rio de Janeiro foi o maior porto de escravizados erecebeu a maior população africana fora da África, e Nantes também tem números consideráveis. É o maior porto da França e da Europa que recebeu pessoas escravizadas”, acrescentouDaniele sobre a similaridade.
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Políticas públicas
Para a guardiã da tradicional festa doReinado de Nossa Senhora do Rosário,Capitã Pedrina, que integra a programação da caravana, o Brasil é mais avançado que a França nas políticas públicas e nas discussões dos direitos da população preta.
“Os negros e pretos daqui [Nantes], como em quase todos os lugares do mundo, estão nas periferias das cidades. Participam da vida ativa, mas como trabalhadores domésticos e serviços gerais. Ainda tem muito o que avançar para que o povo francês tome consciência daquilo que deve ao povo negro, ao povo africano”, apontou.
O percurso da Caravana desde a criação, em 2011, de acordo com Daniele,evoluiu e agora alcança a sexta edição. Naquele momento, o Brasil já tratava de reparação, de políticas de cotas ediversidade cultural.
“Hoje, tem uma abrangência nesses temas, uma presença de intelectuais negros na universidade em museus. Esses diálogos estão mais fortes”, disse.
Apesar disso, destacou que o país ainda tem muitos desafios a ultrapassar. Capitã Pedrina defendeu que é preciso falar de racismo e de desigualdades sociais, e, neste contexto, reparação é uma palavra importante.
“As sociedadesafricana e brasileira nos ensinam muito sobre partilha, sobre coletividade e, no ano do Brasil na França, a gente tem como eixos temáticos a democracia, o meio ambiente, uma série de temas que são caros para estas sociedades”, concluiu.
Embora tenha visto semelhanças entre as populações pretas de Nantes e do Brasil, a Rainha Konga da tradição do Massambique da Nossa Senhora das Mercês, Ana Luzia de Moraes, também observou a diferença entre as realidades dos dois lugares. Lá, segundo contou, muitos deles ainda estão no lugar de servidão, de subserviência, nas periferias e não são contemplados no centro da cidade e nos monumentos.
A Rainha Konga disse ser muito importante para ela sair do Brasil e encontrar essa realidade, porque isso a desperta para uma luta que vai para além da realidade social brasileira.
“Como detentora de saberes tradicionais, tambémestou aqui representando a minha comunidade, fazendo ainda um trabalho espiritual na tentativa de conscientizar politicamente, mas também acordar essa população que está aqui para repensar a sua realidade”, pontuou.

